
Moradia Primeiro (Housing First)
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Housing First é uma metodologia de atendimento da população em situação de rua que tem como base a inversão da lógica de atendimento tradicional: a moradia é central e base para que as outras políticas públicas sejam acessadas e a situação de rua, superada.
Criada nos Estados Unidos na década de 90, a metodologia ganhou credibilidade ao garantir números que evidenciaram sua eficácia: mais de 85% das pessoas alocadas em moradias individuais estavam morando após um ano de programa, os custos de acesso à emergência, gastos com segurança pública e outros tantos que elencaremos mais pra frente.
A gente sabe e os números comprovam que o fenômeno da situação de rua tem crescido em grandes centros do mundo todo. No Brasil, 345.542 pessoas em situação de rua estavam com o cadastro no CadÚnico atualizado em maio de 2025 (Polos de Cidadania – UFMG), o que nos dá uma expectativa de mais de meio milhão de pessoas nessa situação. Curitiba, também em maio, contava com 4.374 pessoas cadastradas no CadÚnico. Outra pesquisa do Polos de Cidadania levanta a informação de que de 40% a 50% das pessoas nessa situação acessam o CadÚnico. Os números são, de fato, alarmantes.
A pergunta que temos feito é: ora, os gastos com a população de rua, são, via de regra, enormes. Cada pessoa em situação de rua custa entre R$6.000,00 e R$8.000,00 mensalmente aos cofres públicos. Por que, então, os números aumentam e não existe o dado referente à superação da situação de rua prometida através dos serviços existentes?
Essa pergunta merece uma resposta calma e embasada.

O etapismo e a escada que não dá em lugar nenhum
Para responder a essa pergunta, precisamos falar sobre o modelo que o Brasil, em geral, adota para lidar com a população em situação de rua. É um sistema conhecido como “etapismo” ou, para ficar mais fácil de entender, podemos chamar de “modelo de escadinha”.
A ideia parece fazer sentido no papel: a pessoa em situação de rua precisa subir, degrau por degrau, para reconquistar sua autonomia. Primeiro, ela acessa serviços básicos, como um lugar para dormir e comer. Para subir o próximo degrau – talvez um curso ou uma vaga em hotel social – ela precisa cumprir uma série de regras: horários rígidos, nada de álcool ou outras drogas, participação em terapias. A cada etapa vencida, um pouco mais de “autonomia” é concedida.
O problema é que a vida real não funciona como um manual de instruções. Esse modelo trata a falta de moradia como uma consequência de “maus comportamentos”, e não como a causa de tudo. Ele diz, nas entrelinhas, que a pessoa precisa “merecer” ter uma casa, provando que está “pronta” para isso.
Por que a escada não funciona?
Imagine ter que seguir regras de um convento depois de passar o dia inteiro lutando para sobreviver na rua. Ou ser expulso de um abrigo porque você bebeu para conseguir aguentar o frio e a violência. É isso que acontece com frequência. O modelo de etapas, com sua rigidez, acaba afastando justamente quem mais precisa de ajuda.
O resultado é um ciclo vicioso, que especialistas chamam de “porta giratória”. A pessoa entra no sistema, não consegue dar conta de filas, busca por emprego, serviços robotizados, volta para a rua, e o ciclo recomeça. Ela nunca chega ao topo da escada, porque os degraus são muito altos e escorregadios.
E o mais impressionante: esse sistema custa caro. Muito caro. Manter essa estrutura de abrigos emergenciais, serviços de saúde para crises e segurança pública é uma fortuna. Um estudo feito no Canadá mostrou que pessoas no modelo de etapas usavam 45% mais serviços de emergência, como hospitais e abrigos, do que as atendidas por outras abordagens. Ou seja, gastamos mais para manter as pessoas presas a um sistema que não resolve o problema de forma definitiva.
Em Curitiba, por exemplo, temos mais de 4.300 pessoas em situação de rua, mas a rede de acolhimento não oferece nem 1.500 vagas. Mesmo que todas as vagas estivessem ocupadas, a maioria ainda estaria do lado de fora. E para os que conseguem entrar, a promessa de uma solução definitiva raramente se cumpre.
É por isso que a pergunta inicial é tão importante. Gastamos rios de dinheiro em um modelo que não só é ineficaz, como também reforça a exclusão. Ele foca em gerenciar a crise, em vez de atacar a raiz do problema: a falta de uma casa.
É aqui que a inversão proposta pelo Housing First faz toda a diferença. Mas isso é assunto para o nosso próximo tópico.